A repercussão nas redes sociais da CPI da Pandemia nas últimas três semanas pegou de surpresa os senadores, jogados ao primeiro plano da discussão virtual da política nacional. Pela primeira vez, uma Comissão Parlamentar de Inquérito é também um fenômeno de engajamento no Twitter, no Facebook e em outros aplicativos. A participação do público no debate sobre a CPI, segundo dados obtidos pela reportagem, foi maior do que a discussão sobre vacinas, a repercussão da morte do ator Paulo Gustavo e o BBB em maio. Apenas as discussões sobre a polarização política no Brasil — leia-se Jair Bolsonaro versus Lula — engajaram mais do que a CPI na internet brasileira. Os holofotes não têm passado despercebidos no Congresso. Nos gabinetes, assessores compilam dados de redes sociais e tentam reverter essa audiência para seus senadores.

Segundo o levantamento da consultoria .MAP para ÉPOCA, “a CPI da Pandemia movimentou 10,8% das publicações do Twitter e comentários públicos do Facebook” nas últimas três semanas. Nos picos, as redes sociais se mobilizaram ainda mais pela comissão. No dia da instalação, a CPI atingiu 37,85% das publicações. Os depoimentos do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta e do ex-ministro Nelson Teich mobilizaram 10% e 12% dos comentários, respectivamente. O endosso à CPI também impressiona: há 94% de apoio nos perfis neutros, 56% na direita e 86% na esquerda. Mas foi com a expectativa da audiência com o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, nesta quarta-feira 19, que o assunto chegou ao auge e mobilizou 40% das postagens analisadas pela consultoria.

Sob vigilância das redes sociais e de milhares de espectadores, o início do depoimento de Pazuello na CPI da Covid foi um anticlímax. De início, o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), mostrou menos disposição para o confronto do que havia sustentado em sessões anteriores. Orientado pelos pares a não parecer muito agressivo, evitou confrontar diretamente o general da ativa em suas mentiras, desmentidas em tempo real pelas redes. O interrogatório inicial de Renan durou mais de cinco horas. O ex-ministro deu longas respostas, desviou do assunto e faltou com a verdade em diversas ocasiões. Disse, por exemplo, que nunca havia promovido o tratamento com a cloroquina contra a Covid-19, o que é falso. O governo comemorou o resultado.

“O STF empoderou ele. Ele falou como um general, não como um ministro. Como um general fala com seus subordinados”, ponderou o governista Marcos do Val (Podemos-ES), suplente na CPI. “Isso pegou os senadores de surpresa.” Assim como outros integrantes da comissão, Do Val atribuiu a postura “empoderada” de Pazuello ao habeas corpus concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski. A decisão determinou que ele teria o direito de se calar para não se autoincriminar. Na cúpula da CPI, havia o temor de que uma medida mais ríspida contra o ex-ministro, como uma ameaça de prisão por faltar com a verdade, abrisse uma brecha para indesejada indisposição do STF com os senadores.

Ao fim do primeiro dia, a oitiva foi interrompida para que tivesse início a sessão ordinária, convocada pelo presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), tentou negociar para que a CPI continuasse, mas não teve sucesso. Curiosamente, até o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), pediu que o depoimento continuasse, avaliando que Pazuello estava indo bem. Mas Pacheco não cedeu. A cúpula da CPI atribui a atitude a “ciúmes” do presidente do Senado pela atenção que a comissão tem recebido.

Pazuello manteve a calma durante a sessão, seguro de si, mas houve um episódio de tensão durante um intervalo à tarde. Na sala em que os senadores, o depoente e os assessores têm acesso a lanches e café quando a sessão é interrompida, Pazuello estava sentado e parecia “muito pálido”, segundo o senador Otto Alencar (PSD-BA), embora tivesse se alimentado. Alencar, que conta já ter sido médico de pronto-socorro, diagnosticou um caso de síndrome vasovagal, quando alguém fica “muito emocionado”, em momentos de extrema tensão, e fica próximo de desmaiar. Alencar contou a jornalistas que o ex-ministro foi “gente boa” e aceitou colocar as pernas para o ar, deitado em um sofá, enquanto se recuperava. Mas não perdeu a oportunidade de fazer piada com o ex-ministro. Ao sair da sessão abordou outros senadores e contou o caso, rindo, nos seguintes termos: “Viu que o general amarelou? Quase desmaiou e foi embora”. Já Pazuello saiu da sessão negando o mal-estar.

“NO DEPOIMENTO MAIS LONGO ATÉ AQUI, PAZUELLO MENTIU À CPI SOBRE A ATUAÇÃO DELE E DO GOVERNO FEDERAL NO COMBATE AO CORONAVÍRUS”

O clima morno do depoimento do primeiro dia não passou despercebido nas redes sociais, em que Renan Calheiros foi duramente criticado por não ter sido mais incisivo. Até aquele dia, a repercussão de sua atuação na internet era majoritariamente positiva. Quando pediu a prisão do ex-secretário de Comunicação Social Fabio Wajngarten na comissão, por exemplo, Calheiros contrariou Omar Aziz. O senador do Amazonas já havia se negado a pedir a prisão de Wajngarten em uma conversa privada. Mas repercutiu bem nas redes, onde os espectadores da CPI clamavam por um discurso mais agressivo contra o ex-secretário de Bolsonaro.

A estratégia dos senadores é pensada para gerar comentários, transformando a CPI em uma verdadeira máquina midiática na arena em que Bolsonaro é mais sensível: a internet. Na véspera do depoimento de Pazuello, Renan Calheiros perguntou em sua conta do Instagram: “O que você gostaria de perguntar ao ex-ministro Eduardo Pazuello?”. Foram mais de 5 mil respostas. Durante a oitiva, Calheiros leu algumas, frisando sempre se tratar de perguntas de “internautas”. O próprio uso do termo “internautas” já rendia engajamento.

O relator não é o único que procura material nas redes. Após Wajngarten dizer que não havia trabalhado em março de 2020, não demorou para que o senador Rogério Carvalho (PT-SE) mostrasse o recorte exato de um vídeo em que ele diz justamente o contrário, tirado das redes sociais. A CPI estuda contratar uma agência de checagem em tempo real para ajudar a embasar as perguntas. A ideia foi dada pela jornalista da GloboNews Natuza Nery no Twitter.

No Palácio do Planalto, assessores de Jair Bolsonaro detectaram que, nas primeiras semanas de CPI, a repercussão foi majoritariamente negativa para o governo. Os bolsonaristas vinham perdendo a batalha nas redes. A tentativa de reagir veio na quarta-feira 12. O filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), causou tumulto na CPI chamando Renan Calheiros de “vagabundo”. Em visita oficial ao estado de Calheiros, no dia seguinte, o presidente da República repetiu a ofensa. O governador de Alagoas e filho de Calheiros, Renan Filho, repudiou a atitude. O resultado foi a explosão da hashtag #RenanVagabundo, com forte ação de robôs, segundo consultorias.

“O ‘G7’, GRUPO DE SENADORES DESFAVORÁVEIS AO GOVERNO NO COLEGIADO, AVALIA QUE HÁ FARTA DOCUMENTAÇÃO CONTRA A ATUAÇÃO FEDERAL”

Assim que a CPI começou, Bolsonaro conversou com interlocutores que tem em comum com Calheiros, sem realmente fazer uma aproximação direta. Em conversa com o ex-presidente José Sarney, o nome do relator só surgiu uma vez, quando Bolsonaro perguntou a ele se Calheiros era ou não próximo do ex-presidente Lula. Falou também por telefone com Renan Filho. Para pessoas próximas do governador, porém, a ligação foi uma espécie de provocação. O governo está visivelmente desarticulado, segundo senadores. Quase um mês após a instalação da CPI, há senadores que nem sequer foram procurados pelo Palácio do Planalto. A estratégia sobre a oitiva de Pazuello foi orientada diretamente com o depoente, sem comunicar à “tropa de choque” do governo como ela deveria se comportar.

Há motivo para que Calheiros tenha sido aconselhado a se policiar no início da semana. Em conversas recentes, o relator admite abertamente a interlocutores que já há elementos para responsabilizar o presidente pelo excesso de mortes no Brasil devido à pandemia do coronavírus, falando até na possibilidade de pedir seu indiciamento por genocídio. Satisfeito com os elogios e a repercussão positiva de sua atuação — até um funk chamado “Capricha, Renan” viralizou nas redes —, o senador lembrou que foi “forjado na oposição”. Sua atuação política no MDB começou durante a ditadura militar. Sua posição é compartilhada pelo “G7”, grupo de senadores desfavoráveis ao governo no colegiado: a CPI está investigando uma negligência da qual já há farta documentação e demonstrações públicas do presidente Jair Bolsonaro.

Nesse cenário, senadores de oposição e governistas aproveitam o palanque cedido pela CPI. Os independentes se equilibram em um tênue meio-termo. Omar Aziz tenta controlar ao vivo a vocação midiática de alguns colegas. Seu intuito, segundo diz, é levar adiante a investigação de forma séria. Confessou a um interlocutor que tem medo da reação de seu eleitorado, do Amazonas, se fizer “mais uma CPI que acaba em pizza”. “Como vou andar pela rua, como vou ser reconhecido pelas pessoas no aeroporto se fizer isso?”, preocupou-se.

 

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